Foram derrubados 218 km2 de floresta, segundo dados do Inpe; série histórica foi iniciada em 2015
SÃO PAULO
A floresta amazônica perdeu 218,41 km²de vegetação em dezembro do ano passado, o último sob a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), em mais um recorde de seu governo. Os dados são do Deter, sistema do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que emite alertas para o combate ao desmatamento em tempo real.
O registro é a marca mais alta de Bolsonaro para o mês de dezembro, em comparação com o mesmo período em anos anteriores da Presidência. Se considerada a série histórica, com início em 2015, é a terceira, atrás de 2017, que registrou 287,51 km², e de 2015, que teve 266,29 km².
Os números ainda serão atualizados pelo Inpe, já que a informação publicada nesta sexta (6) vai até 30 de dezembro do ano passado —há um dia pendente para completar o ano de 2021, portanto.
Áreas de pastagem devastada na floresta Amazônica, na região da bacia do rio Tapajós, no estado do Pará – Pedro Ladeira – 17.fev.22/Folhapress
O número mais que dobrou em relação ao mesmo período do ano anterior, quando o sistema registrou 87,19 km², mas é preciso ter cautela em comparações, segundo Mariana Napolitano, gerente de conservação do WWF-Brasil.
“Precisamos de cuidado, no Deter, com períodos curtos. Se há muita nuvem, o Deter não vai pegar”, diz ela.
Para a especialista, é preciso analisar conjuntos de alertas para identificar as tendências. “É bom olhar três ou seis meses para ver padrões. É importante lembrar que, de agosto a dezembro, o valor foi altíssimo, com 4.593 km², mais alto que os anteriores, que ficaram na casa dos 3.000”.
Assim, ela diz, a tendência projetada pelo Deter é que os dados de desmatamento continuem altos e sejam confirmados na próxima publicação do Prodes, outro sistema do Inpe.
Site do Inpe com visualização do desmatamento acumulado (em amarelo) na AmazôniaReprodução
É o que também aponta o Observatório do Clima, rede de diversas organizações da sociedade civil. “Os alertas de destruição da Amazônia bateram recordes históricos nos últimos meses, deixando para o governo Lula uma espécie de desmatamento contratado, que vai influenciar negativamente os números de 2023″, diz Marcio Astrini, secretário-executivo da entidade.
“O governo Bolsonaro acabou, mas sua herança ambiental nefasta ainda será sentida por um bom tempo”, completa.
Em seu discurso de posse, na última quarta-feira (4), a ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática, Marina Silva, anunciou a criação de uma secretaria extraordinária voltada exclusivamente para controle e combate ao desmatamento.
Segundo Napolitano, a reestruturação de ações de comando e controle e órgãos como o Ibama e o ICMBio são importantes, mas o governo precisará fazer um esforço rápido na direção da economia.
“Sabemos que não se segura e nem se quer segurar [o desmatamento] com comando e controle. O que se quer é uma economia de base florestal, em que desmatar não faça mais sentido, porque manter a floresta em pé é mais rentável. É muito menos risco para todos”, afirma.
O prazo, no entanto, é outro desafio. “Podemos lembrar que, com a Marina e o PPCDAm, houve redução de desmatamento em oito anos. Não temos mais oito anos para reduzir, precisamos de esforço e recurso para que a resposta seja mais drástica. É um cenário mais crítico de clima, recursos hídricos, nossa janela para a mudança é menor”, destaca a especialista.
Até a publicação da reportagem o Ministério do Meio Ambiente não havia comentado o novo dado do Deter.
COMO SE MONITORA O DESMATAMENTO NA AMAZÔNIA
O desmatamento é monitorado de duas formas pelo Inpe. Além do Deter, cujo nome completo é Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real, que publica informações mensalmente, os dados do Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite) são divulgados duas vezes por ano —a primeira é uma estimativa.
Enquanto o Deter foi criado para possibilitar ações mais rápidas de fiscalização e combate a crimes ambientais, o Prodes é o dado do desmatamento em si, monitorado por satélite e com mais precisão.
Apesar disso, o Deter pode ajudar a indicar tendências de crescimento, queda ou manutenção do desmatamento na Amazônia.
Fundo, abastecido com doações de Noruega e Alemanha, foi suspenso no governo Jair Bolsonaro. Reativação foi um dos primeiros atos de Lula ao assumir presidência.
O Ministério do Clima e Meio Ambiente da Noruega informou nesta terça-feira (3) ao g1 que o Brasil já pode aplicar cerca de R$ 3 bilhões doados pelo país para o Fundo Amazônia.
Criado em 2008 para financiar projetos de redução do desmatamento e fiscalização do bioma, o fundo está parado desde abril de 2019.
Na ocasião, o então presidente Jair Bolsonaro suspendeu comitês vinculados ao fundo. Além disso, em meio a uma série de polêmicas envolvendo a política ambiental do governo, Alemanha e Noruega – principais doadores do fundo – anunciaram a suspensão dos repasses.
Após a eleição de Lula, em outubro, porém, os dois países informaram que voltarão a fazer os repasses. No último domingo (1º), em seu primeiro ato como novo presidente do Brasil, Lula assinou uma série de atos. E, entre esses atos, está um decreto que estabelece a retomada do fundo.
Meio Ambiente: Lula restabelece Fundo Amazônia
“A Noruega e o Brasil têm interesses comuns no combate à crise climática, na redução do desmatamento e na promoção do desenvolvimento sustentável. Neste sentido, a reabertura do Fundo Amazônia pelo governo brasileiro e o descongelamento dos recursos no fundo fornecerão apoio importante para a implementação dos planos ambiciosos do governo”, afirmou o governo norueguês.
“Atualmente, há mais de 6 bilhões de coroas norueguesas (3 bilhões de BRL) no fundo que podem ser aplicados em projetos. O primeiro passo é fazer bom uso desses recursos”, acrescentou o ministério.
Em nota, o Ministério do Meio Ambiente da Noruega disse ainda estar “muito satisfeito” com o fato de o novo governo brasileiro já ter adotado as medidas necessárias para permitir que o Fundo Amazônia funcione novamente.
“O fundo pode contribuir para apoiar um governo comprometido em reduzir o desmatamento e o desenvolvimento de uma economia sustentável na Amazônia”, acrescentou.
Desenvolvimento sustentável
Entidades ambientalistas ouvidas pelo g1 avaliaram que a retomada do Fundo Amazônia contribui para combater o desmatamento e também buscar o desenvolvimento sustentável da região.
“Com o Fundo Amazônia funcionando, e com a decisão política do governo Lula e da ministra Marina Silva de combater primariamente o desmatamento e conseguir baixar as taxas rapidamente, entendo que o Fundo Amazônia vai voltar a ser um espaço onde a comunidade internacional pode remunerar o país pelos serviços de diminuição do desmatamento e das emissões”, avaliou Raul do Valle, especialista em políticas públicas da entidade ambiental WWF-Brasil.
“Isso vai retroalimentar recursos para que você possa não só fazer financiamento de ações de comando e controle, mas, sobretudo, […] financiar atividades de desenvolvimento sustentável”, completou.
Ao todo, conforme o governo norueguês, o fundo soma cerca de R$ 3,5 bilhões, dos quais 94% foram doados pelo país europeu.
Assessora do Instituto Socioambiental, Adriana Ramos entende que, com a retomada do fundo, será possível discutir a proteção ambiental da região e o desenvolvimento sustentável. Na opinião dela, sem os recursos do fundo, o governo não dá conta de promover de forma adequada as ações na região.
“A retomada do fundo é fundamental, porque não haveria condições de o governo enfrentar essa questão do desmatamento e da proteção sem o Fundo Amazônia. E o governo sinaliza, também, a possibilidade de enfrentar dilemas, inclusive os relacionados à questão socioeconômica da região”, avalia.
MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – As queimadas na região que é hoje um dos principais arcos de devastação da Amazônia, cujos governadores reeleitos são bolsonaristas e onde Jair Bolsonaro (PL) obteve ampla votação, tiveram um aumento expressivo e sem precedentes nos dias que se sucederam à derrota do presidente nas urnas.
Dados de satélite do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) registraram 3.332 focos de calor entre os dias 1º e 16 de novembro no Amazonas, no Acre e em Rondônia, região conhecida como Amacro. No mesmo período em 2021, foram 253 incêndios nos três estados. O aumento foi de 1.216%.
A evolução das queimadas nos últimos dez anos, levando-se em conta a primeira metade do mês de novembro, mostra que os picos de incêndio e os aumentos da sua incidência são sem precedentes.
Novembro é um mês em que já não se registram tantas queimadas na Amazônia, em razão do começo do período mais chuvoso. Os meses que concentram incêndios são setembro e outubro.
A realidade na Amacro subverte essa lógica. Em Rondônia e no Acre houve mais queimadas em novembro do que em outubro, levando-se em conta o mesmo período de 16 dias.
Na primeira metade de novembro, satélites do Inpe detectaram 1.602 focos de calor em Rondônia. No mesmo período no ano passado, foram apenas 84.
Esses incêndios se concentraram principalmente na região de Porto Velho e Nova Mamoré, com 457 focos de calor, segundo o monitoramento do Programa Queimadas.
Em Rondônia, Bolsonaro obteve mais de 70% dos votos válidos no segundo turno da eleição. O governador, Marcos Rocha (União), é bolsonarista e foi reeleito. Rocha esteve alinhado ao presidente desde o início da gestão, inclusive na adoção de uma política ambiental que flexibiliza fiscalização e licenciamento.
Bolsonaro também obteve no segundo turno mais de 70% dos votos válidos no Acre, cujo governador reeleito, Gladson Cameli (PP), é bolsonarista. No estado, em 16 dias de novembro, houve 897 focos de calor, conforme os dados do Inpe. No ano passado, levando em conta o mesmo recorte de tempo, foram apenas 7. Os incêndios se concentraram em Sena Madureira.
O terceiro governador bolsonarista da Amacro é Wilson Lima (União), reeleito em segundo turno. O desmatamento e as queimadas se concentram no sul do estado, que é a região que integra o arco de devastação. Os satélites detectaram 833 focos de calor de 1º a 16 de novembro, ante 162 no mesmo período no ano passado, com predominância em Lábrea.
Questionados pela Folha de S.Paulo sobre o aumento expressivo das queimadas, os governos de Rondônia e Amazonas, os ministérios da Justiça e do Meio Ambiente e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) não responderam.
Em nota, o presidente do Imac (Instituto de Meio Ambiente do Acre), Nelson Sales, disse que novembro tem sido atípico em 2022. “O período de seca no sul da Amazônia se prolongou. Nos municípios do Acre choveu menos de um quarto do esperado para todo o mês. A estiagem fora de época proporcionou o aumento dos focos de queimadas, usadas culturalmente para limpeza das áreas rurais.”
O governo combate os ilícitos ambientais, segundo Sales, com mais de R$ 13 milhões em multas aplicadas até outubro e apreensões de madeira e caminhões. “O estado faz orientação técnica para o produtor rural de forma a levar ao homem do campo técnicas de cultivo e criação que diminuam o impacto e promovam o uso racional de nossos recursos”, afirmou o presidente do Imac.
O Pará segue na liderança de queimadas na Amazônia, com 2.968 focos na primeira metade de novembro, mas houve queda em relação ao outubro e números bem mais expressivos em outros anos.
Os governos dos estados da Amazônia Legal estiveram presentes na COP27, a conferência do clima da ONU, em Sharm el-Sheikh, no Egito. No evento, buscaram recursos internacionais atrelados a redução de desmatamento e emissões.
A diretora de Ciência do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), Ane Alencar, afirma ter notado o aumento desproporcional dos focos de calor, principalmente nos dez primeiros dias pós-eleição, no sudoeste da Amazônia.
Os incêndios confirmam o aumento de desmatamento detectado a partir de agosto nos alertas de devastação do Inpe, aponta Alencar.
“Ainda há um mês e meio até o governo virar. Parte dos criminosos ambientais está aproveitando a continuidade da ausência do governo federal e de suas instituições que atuam no combate ao ilícito ambiental. E os governos locais na região seguem de olhos fechados”, afirma a diretora do Ipam.
As pesquisas do biólogo Adalberto Luis Val permitiram entender melhor como os peixes e outros organismos aquáticos da Amazônia vivem, se reproduzem e morrem.
O trabalho dele explora como essas espécies foram capazes de se adaptar a condições extremas — como a baixa disponibilidade de oxigênio e a acidez intensa — ao longo dos milhões de anos de evolução do planeta.
Os estudos também ajudaram a compreender como as últimas décadas submeteram toda essa biodiversidade a um estresse nunca antes visto, com o despejo de minérios, plásticos e metais pesados em rios e igarapés.
E tudo isso representa um risco enorme: o aumento de 1,5 °C na temperatura já seria suficiente para extinguir muitos desses seres, que são vitais na dieta da população local.
Val está participando da Conferência sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (COP27), que acontece em Sharm El-Sheikh, no Egito.
Numa reunião da sociedade civil com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, realizada em 17 de novembro, ele foi um dos seis escolhidos para falar e apresentou as demandas do setor de ciência, pesquisa e desenvolvimento.
Um dos pedidos do biólogo foi que o novo governo crie políticas públicas para “trazer os meninos para casa” — uma alusão aos cientistas brasileiros que fizeram toda a formação no país, mas que foram trabalhar no exterior em busca de melhores condições de vida.
Numa entrevista à BBC News Brasil, Val contou um pouco sobre suas pesquisas, falou da importância de conhecer os saberes tradicionais amazônicos e apontou o caminho para incentivar a pesquisa no país.
A boca volátil do tambaqui
Val nasceu em Campinas, no interior paulista, estudou bioquímica e depois cursou biologia. Foi a paixão pela pesca — seu passatempo favorito nos finais de semana durante a infância e a adolescência — que o levou a estudar esses animais.
Em 1978, ele foi para a Amazônia pela primeira vez e, no ano seguinte, resolveu fixar residência na região.
“Quando cheguei lá e vi aquela quantidade de peixes no mercado, entendi que ali era o meu lugar”, lembra.
Professor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Val explica que sua linha de pesquisa busca entender como os organismos aquáticos, como peixes, anfíbios, répteis, mosquitos e plantas, se adaptam às mudanças ambientais.
Ele aponta que a oscilação do nível das águas nos rios e reservatórios naturais coloca os peixes em contato com a floresta por um tempo prolongado no período das cheias.
CRÉDITO,GETTY IMAGES
Legenda da foto,Entender a boca do tambaqui pode levar à melhor compreensão sobre os mecanismos de cicatrização da pele, avalia cientista
Na contramão, durante o período de águas baixas, esses animais ficam em locais mais isolados.
“A Amazônia tem mais de 3 mil espécies de peixes, mas vamos pegar como exemplo o tambaqui”, diz.
“Na fase adulta, ele se alimenta de frutas, e temos estudos mostrando que é possível encontrar até 140 variedades diferentes desses alimentos no sistema digestivo deles”, calcula.
“No período das secas, o peixe perde em parte essa conexão com o resto do meio ambiente.”
O professor conta outro atributo curioso do tambaqui: nos momentos do ano em que a espécie fica exposta a uma baixa disponibilidade de oxigênio na água, ela expande significativamente os lábios.
“Com isso, esse peixe vai para a superfície do rio e coleta aquela camada superficial de água que, pelo contato com o ar, é mais rica em oxigênio”, explica.
Quando o oxigênio volta aos níveis superiores nos rios, os lábios do animal deixam de se expandir.
“Entender esse mecanismo nos ajuda a compreender, por exemplo, como acontece a proliferação de células. E isso poderá ajudar no futuro a cicatrizar mais rapidamente os ferimentos na pele”, antevê.
Muitas mudanças em pouco tempo
Embora várias dessas espécies aquáticas tenham aprendido a se adaptar a ambientes extremos ao longo de centenas de milhares de anos, elas nunca foram submetidas a uma situação tão complicada, acredita Val.
Por trás disso, está a ação humana e a destruição dos rios que correm pela região.
“É possível observar um conjunto de outras modificações produzidas pelo homem de forma rápida e imediata, como a poluição de tudo que é tipo, com medicamentos, agrotóxicos, nanopartículas de plástico, petróleo…”, lista.
“Tudo isso nos preocupa muito, porque as alterações causadas pelo homem são rápidas demais e não dá tempo de as espécies aquáticas se adaptarem”, diz.
A distribuição de uma fina camada de petróleo na superfície da água, por exemplo, impede que os tambaquis acessem o oxigênio que os mantêm vivos.
“Estamos concluindo vários estudos que detectaram a presença de microplásticos nos peixes, inclusive com uma transferência direta desse material da mãe para os filhos”, informa.
“Uma proteína nos óvulos dos peixes se liga às moléculas de plástico, então o filhote já nasce com essa substância no organismo.”
Além de representar um risco à biodiversidade da Amazônia, a extinção de espécies é um perigo à segurança alimentar do povo que vive ali.
“Vale lembrar que 90% da proteína consumida pela população local tem origem nos peixes. Trata-se de uma coisa extremamente importante para a região”, chama a atenção.
Val alerta que, apesar do clima local, os peixes amazônicos são extremamente vulneráveis à variação da temperatura.
“Muitos deles já vivem no limite térmico superior e qualquer variação futura pode levar ao desaparecimento de várias espécies”, diz.
CRÉDITO,ARQUIVO PESSOAL
Legenda da foto,O biólogo Adalberto Luis Val foi um dos representantes da sociedade civil a apresentar demandas a Lula na COP27
O biólogo entende que a urgência da situação exige que os cientistas façam pesquisas genéticas para detectar quais são as espécies mais adaptadas às altas temperaturas, para que elas sejam criadas em fazendas e possam suprir a demanda num futuro próximo.
“Um aumento de temperatura na ordem de 1 °C ou 1,5 °C já é suficiente para testemunharmos o desaparecimento de muitas espécies da Amazônia, principalmente daquelas que vivem nos pequenos igarapés dentro da floresta”, alerta.
Jaraqui velho não sobe o rio
Durante a reunião com Lula, Val também destacou a importância de “aliar os saberes tradicionais com a ciência contemporânea”.
Para ilustrar a relação entre esses dois universos, ele se recorda de uma história que viveu.
“Existe um peixe na Amazônia chamado jaraqui que é extremamente popular e muito consumido pela população de classe média baixa”, descreve.
Sabe-se que essa espécie vive em cardumes e desce do Alto Rio Negro até o encontro das águas com o Solimões, onde acontece a reprodução.
“Na prática, as fêmeas depositam os óvulos e os machos liberam o esperma para fecundar. À medida que os novos peixes se desenvolvem, eles nadam de volta para a cabeceira do Rio Negro, e sabem exatamente como ir até lá”, ensina.
O biólogo conta que durante um período coletou alguns jaraquis para tirar amostras de sangue, que seriam depois analisadas no laboratório.
“Nessas pesquisas, eu sempre encontrava três ou quatro animais que destoavam do resto do grupo e tinham parâmetros sanguíneos completamente diferentes”, diz.
Mas ele não fazia ideia do motivo. Até que um dia estava fazendo trabalho de campo, no meio da floresta, quando o barco que o grupo utilizava quebrou.
“Decidimos então dormir ali mesmo e fizemos uma fogueira para assar um peixe”, lembra.
“Nisso, veio um caboclo que morava ali perto conversar com a gente. O resto do grupo foi dormir, mas fiquei batendo papo com ele.”
Foi aí que o pesquisador comentou do mistério que o intrigava — e descobriu a resposta prontamente.
“Ele olhou pra mim e disse: ‘Mas professor, isso é muito simples. Acontece que os peixes sobem e descem o rio várias vezes ao longo da vida. Mas, quando eles ficam mais velhos, não aguentam fazer isso. Eles permanecem então aqui na mata inundada dos igapós. Só que, ao ver o cardume saindo, eles pensam que estão recuperados e se misturam aos peixes mais novos’.”
“Eu não tinha pensado nisso e fui verificar. Aí notei que, dito e feito, esses três ou quatro peixes diferentes que eu encontrava no meio do grupo eram justamente os mais velhos.”
“Eu tenho um monte de histórias desse tipo, que mostram como a ciência precisa do apoio dos indígenas e das comunidades locais para entender todas as coisas que existem na Amazônia”, aponta.
“Para mim, não há contraste entre o conhecimento tradicional e a ciência contemporânea. Uma se vale da outra”, conclui.
Legenda da foto,O jaraqui é um dos peixes mais consumidos na Amazônia
O resgate dos ‘meninos’
Por fim, Val enumerou alguns caminhos possíveis para desenvolver a ciência no Brasil — e mais especificamente na Amazônia.
“Da totalidade do orçamento nacional para a ciência e a tecnologia, apenas 2% são investidos na Amazônia”, calcula.
“E não será possível avançar na conservação ambiental e na redução dos impactos climáticos se a gente não contar com a ciência na região. Não adianta a Finlândia ou os Estados Unidos virem estudar a Amazônia, porque as informações não serão acessíveis para o caboclo que está no interior e não conseguirá ler o artigo científico publicado numa revista internacional”, critica.
O biólogo aponta que, nos últimos quatro anos, houve uma “degradação muito significativa das instituições de pesquisa no Brasil, sendo que na Amazônia a coisa foi ainda pior”.
“O Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) mesmo tem cerca de 140 pesquisadores, sendo que 70 a 80 deles já estão em idade de aposentadoria, mas continuam a trabalhar por falta de gente.”
Val acredita que o primeiro grande desafio do próximo governo é “viabilizar oportunidades para que os meninos e as meninas fiquem no Brasil”.
Ele explica que os termos “meninos” ou “meninas” são maneiras carinhosas de se referir aos mais jovens na região amazônica.
“As pessoas têm o direito de morar no exterior, mas não porque não há condições de fazer pesquisa no país”, lamenta.
“Nós gastamos uma fortuna para formar esses profissionais e, quando eles chegam aos 28 anos, recebem propostas melhores para trabalhar fora.”
Ele cita o exemplo de um aluno que era eletricista em São Paulo e foi ao Ipam para fazer mestrado e doutorado.
Durante o trabalho, o jovem cientista desenvolveu um mecanismo de inteligência artificial que ajuda a saber se peixes ornamentais estão saudáveis — e foi contratado por uma empresa no Reino Unido.
Val também acredita que ao menos 2% do PIB do país deveria ser investido em ciência e tecnologia.
“Precisamos utilizar nossos recursos para criar estruturas capazes de desenvolver novas tecnologias”, aponta.
“Por último, precisamos transformar a informação que temos produzido em tecnologias sustentáveis, que possam ser socializadas com a população.”
“E o foco dessa inclusão social precisa acontecer principalmente nas regiões periféricas, como a Amazônia, o Nordeste, o Pantanal e o Centro-Oeste”, sugere.
Ele cita como exemplo o fato de nenhuma carne de peixe amazônico ser exportada para o exterior a partir de uma produção sustentável.
“Durante a conferência Rio-92, o então governador do Estado do Amazonas deu dez casais de tambaqui de presente para a delegação chinesa”, lembra.
“Logo depois, o presidente chinês determinou que um time de pesquisadores fosse enviado ao Brasil, onde os cientistas aprenderam mais sobre a espécie e coletaram informações.”
“E, há alguns anos, a China começou a exportar a carne de tambaqui”, finaliza.
Exibido no mundo todo, premiadíssimo nos principais festivais de cinemas internacionais, o filme documentário The Territory será exibido em Rondônia, nos dias 24 e 25.11, em Porto Velho. É um filme produzido e filmado 100% em Rondônia, com protagonistas 100% de Rondônia. Tem até um deputado federal de Rondônia que participa discretamente, numa reunião com grileiros de terras indígenas.
Exibição de The Territory no National Geograph Museum, em Washington, EUA
Ontem 17 de novembro de 2022, The Territory foi exibido no National Geograph Museum de Washington (EUA), tendo sido exibido antes no Capitólio. Neidinha Suruí, uma das protagonistas do filme está lá, junto com a filha Txai Suruí. “Agora a noite o filme O Território foi exibido no cinema da National Geographic Museum, isto depois de ter sido exibido no Capitólio pela manhã. Só emoção!”, postou Neidinha que está em Washington.
Txai Surui falando na COP 27 sobre a importância de se tomar uma decisão que promova o equilíbrio climático
Txai, ao lado de outras lideranças indígenas, esteve presente na 27ª Conferência Mundial do Clima (COP27). Na opinião de Txai Suruí, a falta de diálogo político com os povos indígenas precisa ser sanada. A situação se agravou, acentuadamente, nos últimos quatro anos, em que os originários sofreram sucessivas tentativas de apagamento de sua história e cultura.
O governador de Rondônia, Marcos Rocha (União Brasil) e o secretário de Meio Ambiente, Marco Antônio Lagos, além do ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, também estiveram na COP 27. Se encontraram? Não. No evento que discute as mudanças climáticas, o governo de Rondônia não interagiu com os povos indígenas de Rondônia e Lagos evitou se encontrar com os indígenas presentes, especialmente os Uro Eu Wau Wau.
As presenças de autoridades de Rondônia e do próprio ministro do Meio Ambiente à COP 27, porém, foram ofuscadas pela presença marcante do presidente eleito, Lula, que foi tratado como pop star. Lula discursou para o mundo e confirmou a criação do Ministério dos Povos Originários, que será comandado por um indígena.
Ainda que estivessem ocupando o mesmo espaço, há pouca abertura para diálogo com políticos do Brasil, como destacou a jovem de Rondônia, justamente, porque eles nunca estão disponíveis. Segundo ela, se não há conversa durante a conferência, imagina dentro dos territórios!
“A delegação oficial do Brasil trouxe primeiras-damas, esposas de secretários, trouxe até a JBS para falar no estande oficial do país, enquanto nós não fomos chamados. Quando vamos trazer [à COP] nossas verdadeiras representações?”, questionou Txai.
Durante a conferência, as lideranças indígenas têm sido convidadas a compor debates com grupos internacionais, compondo mesas e painéis porque há um movimento mundial que valoriza a escuta das populações indígenas. De gente que se abre à colaboração de quem detêm conhecimento ancestral, de maneira integrada. Querem ouvir os povos originários sobre suas iniciativas relacionadas à preservação ambiental, como por exemplo, o investimento em compensações de carbono através de reflorestamento. O mundo todo se interessou em conversar, menos Rondônia.
Txai reforçou, que enquanto políticos brasileiros discutem investimentos em preservação ambiental na COP-27, ignoram a violência que é enfrentada pelos povos indígenas por exemplo, na resistência contra as invasões aos seus territórios. É disso que se trata “The Territory”.
Ontem a ativista e estrela do filme, Neidinha Suruí, esteve com a congressista Pramila Jayapal, em Washington, falando de Amazônia e como seus povos são afetados e precisam de apoio. “Estamos conversando com esses congressistas que apoiem a aprovação do Estatuto da Floresta dos EUA”, disse. Pramila Jayapal é defensora dos direitos humanos e a primeira mulher indiano-americano a ser eleita para o Congresso americano.
Quantas entrevistas Neidinha e Txai Suruí concederam em Rondônia sobre o filme? SIC News? TV Rondônia? Recebeu alguma menção honrosa do presidente da Assembleia Legislativa, Alex Redano (Republicanos)? Esperem sentados porque em pé cansa. Rondônia é 70% bolsonarista e The Territory denuncia bolsonaristas invasores de terras indígenas. Segundo Neidinha, o filme The Territory vai ser exibido em Rondônia na comemoração de 30 anos da ong Kanindé Ambiental. No Teatro Guaporé, dia 24.11 e na
Praça CEU (Bairro JK), dia 25.11.
Sobre The Territory
O TERRITÓRIO fornece um olhar imersivo no terreno sobre a luta incansável do povo indígena Uru-eu-wau-wau contra o desmatamento invasor trazido por agricultores e colonos ilegais na Amazônia brasileira. Com uma cinematografia inspiradora mostrando a paisagem titular e um design de som ricamente texturizado, o filme leva o público profundamente à comunidade Uru-eu-wau-wau e fornece acesso sem precedentes aos agricultores e colonos que queimam e limpam ilegalmente a terra indígena protegida. Parcialmente filmado pelo povo Uru-eu-wau-wau, o filme se baseia em imagens de vérité capturadas ao longo de três anos, enquanto a comunidade arrisca suas vidas para montar sua própria equipe de mídia na esperança de expor a verdade.
The Territory estreia no National Geograph canal dia 1 de dezembro e no Disney no dia 2 de dezembro.
(*) Roberto Kuppê é jornalista, articulista político e presidente do Instituto Rondon. A convite, assistimos a estreia do filme no Rio de Janeiro em setembro.
“Muito depois que outros líderes mundiais haviam partido das negociações climáticas das Nações Unidas no Egito, o presidente eleito do Brasil chegou – e eletrificou a reunião”
“As expectativas são altas enquanto um Lula exuberante fala na Cúpula Climática”, afirmou o jornal The New York Times, um dos mais importantes do mundo, sobre a participação do presidente eleito brasileiro na COP 27. “Muito depois que outros líderes mundiais haviam partido das negociações climáticas das Nações Unidas no Egito, o presidente eleito do Brasil chegou – e eletrificou a reunião”, destaca o artigo.
“O entusiasmo aqui era palpável para Luiz Inácio Lula da Silva, conhecido simplesmente como Lula para a maioria. Ele derrotou recentemente Jair Bolsonaro, um homem que os ambientalistas brasileiros descrevem como um ‘pesadelo’ por presidir durante quatro anos de desmatamento desenfreado e aplicação frouxa das leis na vasta e frágil floresta tropical amazônica do país”, continua.
A reportagem destacou a popularidade de Lula. E reforçou:
“Foi a primeira viagem do Sr. Lula para fora do Brasil desde que ganhou as eleições presidenciais no final de outubro, e ele se baseou no otimismo que muitas pessoas aqui sentem agora que um defensor de um ecossistema que é crucial para o clima global está de volta ao poder”.
“A história do Sr. Lula de combater o desmatamento é o que dá a muitos de seus apoiadores na cúpula grandes expectativas para seu próximo mandato como presidente”, destaca o artigo, lembrando que:
“Quando ele se tornou presidente pela primeira vez em 2003, o desmatamento da Amazônia estava em um de seus maiores índices de sempre. Ao final de seu segundo mandato, em 2010, a taxa de desmatamento havia diminuído em 67%”.
“Mas sob o Sr. Bolsonaro, essa tendência se inverteu e a Amazônia perdeu mais de 13.000 milhas quadradas de cobertura de árvores de 2019 a 2021, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais no Brasil”, continuou.
“O Brasil havia sido definido para sediar a cúpula climática anual da ONU em 2019, mas o Sr. Bolsonaro se recusou a levá-la adiante. Na quarta-feira, o Sr. Lula propôs a realização da cúpula de 2025 em uma das cidades amazônicas do Brasil”, lembrou.
“Lula atraiu uma das multidões mais animadas nas negociações climáticas patrocinadas pela ONU no resort egípcio de Sharm el-Sheikh”, diz a agência de notícias sobre Lula na COP27
A agência de notícias Bloomberg destacou nesta quarta-feira (16) o discurso do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva durante a COP27 e destacou que o brasileiro foi recebido com boas-vindas de “herói” pela comunidade internacional com seu discurso em defesa da Amazônia.
Na reportagem, agência estadunidense de notícias disse que “Lula atraiu uma das multidões mais animadas nas negociações climáticas patrocinadas pela ONU”. Confira abaixo a chamada da Bloomberg e a reportagem sobre o discurso em Sharm El-Sheikh, Egito.
O presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, se ofereceu para sediar as negociações climáticas da ONU na Amazônia em 2025, dizendo que o país priorizará a preservação da maior floresta tropical do mundo.
Lula, como é conhecido o político, faz sua primeira viagem internacional desde que derrotou o presidente Jair Bolsonaro nas eleições do mês passado. Em contraste com a posição de Lula, Bolsonaro enfraqueceu a proteção da maior floresta tropical do mundo em favor do desenvolvimento econômico.
“Estou aqui na frente de todos vocês para dizer que o Brasil está de volta”, disse ele em discurso nas negociações da COP27 em Sharm El-Sheikh, Egito, entre governadores dos estados amazônicos do Brasil e diante de um multidão entusiástica que entoava seu nome. “O Brasil não pode ficar isolado como esteve nos últimos quatro anos.”
Sob a saída de Bolsonaro, as taxas de desmatamento na Amazônia atingiram níveis recordes. Pelo menos algumas partes dele pararam de capturar gases de efeito estufa e agora contribuem para o aquecimento global, de acordo com pesquisas científicas . Em seu discurso na COP27, Lula prometeu reverter um pouco disso.
“Vamos lutar fortemente contra o desmatamento ilegal”, afirmou. “Vamos criar o Ministério dos Povos Indígenas para que eles não sejam tratados como criminosos pelas indústrias – esteja preparado para isso.”
Lula atraiu uma das multidões mais animadas nas negociações climáticas patrocinadas pela ONU no resort egípcio de Sharm el-Sheikh, com centenas não apenas de jornalistas e ativistas, mas também de indígenas vestidos com roupas tradicionais esperando por até três horas pelo presidente -chegada do eleito. Quando ele entrou na sala, eles entoaram ao som de cânticos de futebol: “Olé, Olé, Olé, Lula Lula!”
No entanto, apesar das boas-vindas entusiásticas, impedir o desmatamento da Amazônia não será fácil para Lula, dados os desafios geográficos de uma terra enorme e isolada – cerca de metade do tamanho dos EUA – difícil de policiar e cheia de gangues violentas com um governo enfrentando restrições fiscais.
Em outro discurso feito no final do dia na COP27, Lula prometeu fazer da luta contra a mudança climática uma questão central dentro de seu governo, incluindo o combate ao desmatamento e crimes ambientais. O novo governo vai reinstituir instituições que monitoram o desmatamento e estudam a Amazônia, mas foram desmanteladas durante o governo Bolsonaro.
O presidente eleito disse que também conversará com o secretário-geral da ONU, António Guterres, para indicar o Brasil como país-sede para as negociações da COP30 em 2025. A cúpula deve ocorrer em um estado da Amazônia, disse ele.
“As pessoas que defendem o clima deveriam conhecer de perto o que é aquela região”, afirmou. “Devemos mudar a forma como as pessoas discutem a Amazônia a partir de uma realidade concreta e não apenas dos livros.”
O Brasil fará da agenda climática uma das prioridades do Grupo dos 20 em 2024, quando o país assumir a presidência, afirmou. Lula pretende levantar com os países ricos questões que foram aprovadas em COPs anteriores, mas nunca foram implementadas.
O presidente eleito também expressou apoio à posição dos países em desenvolvimento no que é possivelmente o assunto mais controverso debatido na COP27 – perdas e danos, ou o direito dos países pobres de obter compensação pelos impactos do aquecimento global que eles estão sofrimento, mas não causou.
“Precisamos com muita urgência de mecanismos financeiros para resolver as perdas e danos causados pelas mudanças climáticas”, afirmou. “Não podemos continuar atrasando este debate – não temos mais tempo a perder.”
O presidente eleito do Brasil também defendeu a inclusão de mais países no Conselho de Segurança da ONU e o fim o privilégio do veto, “hoje restrito a alguns poucos”
Em discurso na 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP 27, o presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), comprometeu-se a mobilizar esforços para evitar o desmatamento da Amazônia e atrelar a agenda ambiental à da igualdade social.
“Estou aqui para dizer que o Brasil está pronto para se juntar novamente aos esforços para a construção de um planeta mais saudável, de um mundo mais justo, capaz de acolher com dignidade a totalidade de seus habitantes, e não apenas uma minoria privilegiada”, afirmou Lula.
O líder brasileiro falou que o país saiu vitorioso de uma das eleições “mais decisivas da história”, que conteve “o avanço da extrema direita autoritária e antidemocrática e do negacionismo climático no mundo. E também porque do resultado da eleição dependia não apenas a paz e o bem-estar do povo brasileiro, mas também a sobrevivência da Amazônia e, portanto, do nosso planeta.”
Sobre a urgência de defender o meio ambiente e reduzir a desigualdade social, Lula declarou que “não existem dois planetas Terra. Somos uma única espécie chamada humanidade, e não haverá futuro enquanto continuarmos cavando um poço sem fundo de desiguldades entre ricos e pobres. Precisamos de mais empatia, precisamos construir confiança entre nossos povos e ir além dos interesses nacionais imediatos, para que sejamos capazes de tecer coletivamente uma nova ordem internacional que reflita as necessidades do presente e nossas aspirações para o futuro”.
Vale destacar que o presidente eleito do Brasil também defendeu a inclusão de mais países no Conselho de Segurança da ONU e o fim o privilégio do veto, “hoje restrito a alguns poucos, para a efetiva promoção do equilíbrio e da paz.”
Confira o discurso de Lula na COP 27
“Sinto-me honrado, porque esse convite não foi feito para mim, foi feito para o meu país e para povo brasileiro. Este convite, feito a um presidente recém-eleito antes mesmo da sua posse, é um reconhecimento de que o mundo tem pressa de ver o Brasil participando novamente das discussões sobre o futuro do planeta e de todos os seres que nele habitam. Um planeta que a todo momento nos alerta que precisamos de uns dos outros para sobreviver.
Sozinhos estamos vulneráveis às tragédias climáticas. No entanto, ignoramos esses alertas, gastamos trilhões de dólares em guerras que só trazem destruição e mortes, enquanto 900 milhões de pessoas no mundo não têm o que comer. Vivemos um momento de crises múltilplas, a volta do risco de guerra nuclear, crise de abastecimento de alimento e energia, aumento intolerável da desiguldade.
Os acordos já finalizados têm que sair do papel. Para isso, é preciso tornar disponíveis recursos para que os países em desenvolvimento, em especial os mais pobres, possam enfrentar as consequências de um problema criado em grande medida pelos países ricos, mas que atingem de maneira desproporcional os mais vulneráveis.
Estou aqui para dizer que o Brasil está pronto para se juntar novamente aos esforços para a construção de um planeta mais saudável, de um mundo mais justo, capaz de acolher com dignidade a totalidade de seus habitantes, e não apenas uma minoria privilegiada. O Brasil acaba de passar por uma de suas eleições mais decisivas de sua história, uma eleição observada com atenção inédita pelos demais países. Ela poderia ajudar a conter o avanço da extrema direita autoritária e antidemocrática e do negacionismo climático no mundo, e também porque do resultado da eleição dependia não apenas a paz e o bem-estar do povo brasileiro, mas também a sobrevivência da Amazônia e, portanto, do nosso planeta.
Ao final de uma disputa acirrada, o povo brasileiro fez sua escolha e a democracia venceu. Com isso, voltam a vigorar os valores civilizatórios, o respeito aos direitos humanos e o compromisso de enfrentar a mudança climática. O Brasil já mostrou ao mundo o caminho para derrotar o desmatamento e o aquecimento global. Entre 2004 e 2012, reduzimos a taxa de devastação da Amazônia em 83%, enquanto o PIB agropecuário crescia 75%.
Infelizmente, desde 2019 o Brasil enfrenta um governo desastroso, em todos os sentidos. Não por acaso a frase que mais tenho ouvido dos líderes de diferentes países é a seguinte: ‘o mundo sente saudade do Brasil’. Quero dizer que o Brasil está de volta, está de volta para reatar os laços com o mundo e ajudar novamente a combater a fome, para cooperar outra vez com os países mais pobres, sobretudo da África, com investimento em transferência de tecnologia.
Voltamos para ajudar a construir uma ordem mundial pacífica, acertada no diálogo, no multilateralismo e na multipolaridade. Voltamos para propôr uma nova governança global. O mundo de hoje não é o mesmo de 1945. É preciso incluir mais países no Conselho de Segurança da ONU e acabar com o privilégio do veto, hoje restrito a alguns poucos, para a efetiva promoção do equilíbrio e da paz.
Não existem dois planetas Terra. Somos uma única espécie chamada humanidade, e não haverá futuro enquanto continuarmos cavando um poço sem fundo de desiguldades entre ricos e pobres. Precisamos de mais empatia, precisamos construir confiança entre nossos povos e ir além dos interesses nacionais imediatos, para que sejamos capazes de tecer coletivamente uma nova ordem internacional que reflita as necessidades do presente e nossas aspirações para o futuro.
Estou aqui hoje para reafirmar o inabalável compromisso do Brasil com a construção de um mundo mais justo, mais humano e mais solidário.”
idente eleito quer que a próxima COP aconteça na Amazônia: “acho muito importante que as pessoas conheçam de perto o que é aquela região”
O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), afirmou nesta quarta-feira (16) que pedirá ao secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, uma nova Conferência do Clima (COP) em 2025, desta vez na Amazônia.
“Nós vamos falar com o secretário-geral da ONU e vamos pedir para que a COP de 2025 seja feita no Brasil e, no Brasil, seja feita na Amazônia. E, na Amazônia, tem dois estados aptos a receber qualquer conferência internacional, que é o estado do Amazonas e o estado do Pará”, afirmou. “Acho muito importante que seja na Amazônia e acho muito importante que as pessoas que defendem a Amazônia e que defendem o clima conheçam de perto o que é aquela região”.
Lula fez um breve discurso nesta manhã ao receber dos governadores brasileiros presentes no evento a “Carta da Amazônia: uma agenda comum para a transição climática”. O presidente eleito fará um novo discurso às 12h15 (horário de Brasília).
“O Brasil vai mudar definitivamente”, afirmou o presidente eleito em discurso na COP27
O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), discursou na manhã desta quarta-feira (16) na 27ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 27).
Lula recebeu dos governadores brasileiros presentes no evento a “Carta da Amazônia: uma agenda comum para a transição climática” e garantiu que seu governo dará atenção aos povos indígenas e ao combate ao desmatamento. “Nós vamos fazer uma luta muito forte contra o desmatamento ilegal. É importante as pessoas saberem que nós vamos cuidar, e cuidar muito forte, dos povos indígenas, e por isso nós vamos criar o Ministério dos Povos Originários, para que a gente possa fazer com que eles não sejam tratados como bandidos às vezes pela imprensa nacional. Queremos dar cidadania às pessoas. Nós vamos conversar com os governadores. Não queremos fazer nada sem conversar, sem acordar”.
Ele garantiu ainda diálogo permanente com governadores e prefeitos. “Vamos voltar a fazer o Brasil conviver democraticamente com seus representantes. Não é possível que um presidente da República não faça reuniões com governadores. Não é possível que um presidente da República pense que é capaz de governar o Brasil sem levar em conta as necessidades dos estados e das cidades. É lá que está o problema do povo, é na cidade que o povo quer saúde, educação, transporte, qualidade de vida”.
“Nós vamos assumir um compromisso com prefeitos. A gente não vai evitar queimada se a gente não tiver o compromisso dos prefeitos. É o prefeito que está na cidade, que sabe de quem é a terra, que sabe onde começou. Não adianta ficar discutindo de Brasília. É importante descer onde está acontecendo as coisas, é importante pactuar e saber que os prefeitos vão ter recursos para que a gente possa cobrar deles alguma coisa. Eu tenho noção de que ao longo do tempo o governo federal foi passando muita responsabilidade e menos dinheiro para os prefeitos. Eu tenho noção que cada vez que a gente faz uma política de desoneração a gente dá ganho para os empresários e sufoca os prefeitos, que vão receber menos dinheiro para fazer aquilo que nós determinamos para eles na Constituição. Não poderia ser um encontro melhor, em um fórum internacional, para dizer para vocês: o Brasil vai mudar definitivamente. A democracia vai voltar a reinar no nosso país e o diálogo será permanente. Nós, políticos, podemos ser adversários em uma ou outra eleição, mas nós não somos inimigos. O presidente da Repúblcia tem a obrigação de conversar com todos em igualdade de condições, sem perguntar a que partido ele pertence, que religião ele professa e que time de futebol ele torce. Nós governamos para o povo brasieiro, e para acabar com a fome no Brasil, com a miséria, com o processo de degradação que nossas florestas estão vivendo, com o sofrimento dos nossos indígenas, nós vamos ter que conversar muito e trabalhar junto, para que o Brasil serja motivo de orgulho para o mundo, e não motivo de desespero como é hoje”, completou.
O presidente eleito ainda prometeu não medir esforços para garantir que a Amazônia permaneça de pé. “Tudo que a gente puder tirar de riqueza daquele ecossistema extraordinário, de uma biodiversidade que nós ainda não conhecemos totalmente. Nós queremos dizer para vocês: se a Amazônia tem o significado que tem para o planeta Terra, se a Amazônia tem a importância que todos vocês dizem que tem, que os cientistas dizem que tem, nós não temos que medir nenhum esforço para que a gente consiga convencer as pessoas de que uma árvore em pé, uma árvore viva, serve mais que uma árvore derrubada sem nenhum critério e necessidade”.